Faixas amarelas

Peter estava sentado numa cadeira de madeira desgastada e carcomida pelo tempo. Seu olhar estava fixo no ponteiro do relógio, que avançava lentamente, mais lento do que achava que deveria. Algo não estava bem. Ele sentia a sua cabeça girar com uma dor tão forte como nunca havia sentido. E continuava com o olhar imóvel ouvindo o tic tac incessante do relógio. Como um zumbi, ele se levanta e vai arrastando suas pernas até a mesa, num ritmo compassado ao ranger do chão de madeira, onde pega uma xícara de chá, que por estar lá há muito tempo, estava frio.

Peter levou a xícara à boca. Estava com os olhos arregalados e permaneceu imóvel por alguns segundos após devolver a xícara à mesa. Algo realmente não estava bem. Ele se jogou no sofá rasgado e sujo e se se encostou a uma almofada amassada. Dali podia ver a chuva forte e as gotas de água que escorriam pelo vidro da janela.

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Seu rosto estava contraído numa expressão séria. Os olhos bem abertos e a boca levemente caída. Estava num momento de introspecção profunda e não fazia a menor ideia do que estava fazendo ali. Sua cabeça doía ainda mais. Ela começou a pender lentamente, quando passou os olhos por uma lagarta, que estava na parte inferior da janela. Ele piscou forte várias vezes, com os olhos presos nela. De repente, a lagarta começou a se contorcer e rapidamente se transformou numa crisálida. Peter realmente deveria estar confuso, mas sua mesma expressão, com a boca aberta e com lentas piscadas, revelavam sua despreocupação. Poucos segundos se passaram e a crisálida se transformou numa borboleta. A linda borboleta azul abriu suas asas e batendo-as graciosamente partiu da janela e rodopiou pela sala. A dança da borboleta foi acompanhada por uma fumaça alaranjada e leve, que aos poucos, foi cobrindo toda a atmosfera do ambiente. Peter levantou lentamente uma sobrancelha. Nesse instante, ele ouviu batidas fortes na porta, tão fortes e agitadas que o fez virar a cabeça para a sua direção. Agora, ele se perguntava do que podia se tratar aquilo, já que estava numa casa abandonada, muito afastada da cidade, e como imaginara até então, sozinho. As batidas foram se tornando mais intensas e a cada solavanco, toda a casa e seus utensílios tremiam. Nisso, uma fresta foi aberta na madeira da porta e Peter pode ver, do sofá onde estava, o tamanho do peixe que se debatia do lado de fora.

Nesse momento, uma onda de desespero tomou conta dele e pode sentir um forte arrepio por todo o seu corpo. As batidas não paravam e o enorme peixe prateado continuava se jogando na porta, enquanto aquela borboleta psicodélica continuava batendo suas delicadas asas espalhando aquela fumaçinha diabólica que Peter sentia, aos poucos, o sufocando. Foi então nesse tempo de agonia e desespero que ele sentiu algo no seu ombro direito. Era um camundongo. Aquele pequeno roedor passou a mordê-lo muito forte mas lentamente no ombro, arrancando o primeiro pedaço de carne.

Peter abriu a boca e podia-se esperar um grito ensurdecedor e desesperado, mas nenhum som saiu. Ele queria se levantar, mover seus braços, arrancar aquele animal de seu ombro, mas não podia se mover. Seu rosto trazia uma expressão de agonia como de alguém que está sendo comido vivo. Aos poucos, foi perdendo a visão que por conta da borboleta azul, agora via tudo laranja. Não conseguia ouvir mais nada além daquelas batidas do peixe que incessantemente queria entrar. E aquele roedor, com o focinho vermelho de sangue, que continuava rasgando a carne do seu peito, como já fizera com todo o seu ombro.

Dias depois, os peritos recolhiam os restos já em decomposição de Peter. A casa foi toda lacrada com faixas amarelas, que terminavam amarradas na frente da janela. Enquanto terminava de lacrar, algo chamou a atenção do policial.

– Mcfloor, venha ver uma coisa.

– O quê?

– Tem alguma coisa aqui, do lado de dentro da janela.

Mcfloor se aproximou.

– Relaxa, Jake. É só uma lagarta.

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